




Mas hoje, três décadas após o início da baderna desencadeada pelos garotos de Londres, à luz dos fatos e da história, é inevitável a discussão a respeito de como os preceitos do punk vêm sendo encarados na sociedade contemporânea – tanto por aqueles que têm a missão de levar à frente os seus conceitos, como pelo establishment de um modo geral.
Uma das críticas recorrentes ao movimento – mas não só a ele – é que suas bravatas já foram completamente assimiladas pela onipresente industria cultural, transformando o punk em mais um dos subprodutos do capitalismo. Em outras palavras, a anarquia virou mercadoria.
Um livro lançado recentemente, cujo título é bastante sugestivo e irônico – The Rebel Sell [algo como A Rebeldia Fajuta ] –, defende que em vez de funcionar como força de oposição à economia de mercado, a contracultura é, nada mais nada menos, seu combustível.
Segundo os filósofos canadenses Andrews Potter e Joseph Heath, autores do livro, os símbolos da rebeldia não são apenas cooptados pelo mainstream , mas é a própria contracultura que impulsiona o crescimento do capitalismo, gerando competição entre os consumidores das novas bricolagens e adereços.
Daí surgem os conceitos de “hippie chique” e “punk de butique”. Nesse sentido, a imagem de Ernesto “Che” Guevara estampada em camisetas, broches e jaquetas, é um dos exemplos mais fáceis. A moda do piercing , antecipada pelos grossos alfinetes que os garotos ingleses enfiavam em seus narizes é outro caso exemplar.
A estética punk, vislumbrada por Vivienne Westwood, foi tão bem sucedida que lhe rendeu a alcunha de Rainha Punk. A linguagem de suas roupas, escandalosa para as pessoas que viviam nos anos 70, é totalmente aceita na sociedade de hoje, permanecendo viva na moda de estilistas famosos como Jean-Paul Gaultier. As calças baixas e rasgadas, os adereços de metal e os tênis All Star – imortalizados por figuras como Joey Ramone – estão em todas as partes, vendidos inclusive em butiques famosas e em shoppings.
Daí pode-se concluir que a linha divisória entre a contracultura e a cultura de massa é bastante tênue. Em geral, o que está na moda hoje é o que foi alternativo ontem. Tal processo de transformação, do cult para o mainstream , segundo os filósofos canadenses autores de The Rebel Sell , é impulsionado pelos próprios atores que constituem o “sistema”. Funciona mais ou menos assim: quando as pessoas começam a imitar o estilo de um ícone rebelde, o rebelado precisa encontrar outra forma de se rebelar, já que o seu antigo costume não é mais singular. Portanto, sempre que um comportamento rebelde é popularizado, ele se torna inútil como forma de expressão, pois virou mainstream . Então é necessário criar outro meio de diferenciação, de ser diferente e cool .
A idéia parece radical, mas faz bastante sentido quando a análise é direcionada à cena musical independente de rock. É bastante comum se ouvir que dado grupo “se vendeu” para o sistema porque assinou contrato com uma grande gravadora – uma major na linguagem da indústria fonográfica. A partir do momento que uma banda do underground passa a fazer sucesso fora dos domínios do meio independente – clubes e lojas de discos –, ela já não é mais “pura”, autêntica e, principalmente, rebelde.
O próprio Sex Pistols provou do veneno maniqueísta do underground ao ser repudiado pelos fãs quando se reuniu para fazer uma turnê assumidamente caça-níquel chamada “A excursão do lucro imundo”. Caso parecido ocorreu com o The Clash, quando teve um de seus hits usados como fundo musical para um comercial da marca Levi's.
Mas ainda que o punk tenha sucumbido em seus próprios desígnios e conceitos, é fato que sua influência ainda é bastante presente. Na música, após o final dos anos 70, uma leva de boas bandas surgiu aproveitando o que de melhor os rapazes de cabelos espetados tinham feito. The Cure, Echo and the Bunnymem e Joy Division adicionaram uma dose de desesperança e alguns acordes ao som básico de seus predecessores, inaugurando a Era Pós-punk, que se caracterizou como uma tentativa de organizar margens alternativas de produção e divulgação da musica pop. É fato que depois disto o gênero se desdobrou em mil segmentos e perdeu a veia pulsante dos primeiros anos.
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